
“- Estamos quase lá. Tapamos mais uma brecha de bom senso no nosso esqueleto”.Adoraria ouvir essa chamada no Jornal Nacional. Já pensou o Willian Bonner dizendo isso? Com toda a desenvoltura de um andróide impecável, um ser perfeito, que só chora quando o patrão morre. O ser humano é de fato um ato falho. Um egoísta mercenário que adora banhar-se às margens do seu umbigo, sem bóia, claro, porque o afogamento vai lhe salvar.
“- Bem vindo à hoje, pode entrar, o jantar está servido e você é o prato”. Coitada da essência. Foi trocada pela reticência das cédulas que penetram nas células e peneiram os anticorpos, deixando as gorduras matarem as agruras nas artérias em festa. Viva, viva! É a prova da nossa ofensiva ao espelho, o cômodo mais incômodo e confortável da casa. Arrasa galera!
“- Bolsa de valores: a Consciência tem sua cotação mais baixa, a Bovespa bate recorde e o Risco Canalhice chega a 50.000. Avante Brasil!” A política segue de vento em polpa rasgando a roupa da esperança. Desse jeito vão prendê-la por atentado ao pudor, que horror. Mas isso pode ser bom. Quem sabe ela não posa nua numa revista? Uma ótima oportunidade pra entrar na mídia e o povo saber que ela ainda existe.
“-Velório do morto mais vivo da história. Vendo ingresso, sobrando eu compro.”
- Que sorte a minha, cara. Consegui o assento “A 03” bem do lado do caixão.
- Po velho, mandou bem. Vai dá pra sentir o cheirinho do defunto.
Essa foi a melhor dos últimos dias. Ingresso para velório. Onde é que vamos parar? Eu acho que já paramos. Virou o show do século. Mas que show estranho, o artista ta morto, ou pelo menos tentando morrer, mas a imprensa não deixa. Enquanto houver leitor, haverá notícia. Ou seria o contrário? Pois bem, ao vivo, para o mundo todo. Luzes, astros do universo pop, música, discurso, emoção, parece o Oscar. Uma festa perfeita, todos aproveitam. Mas qual o motivo mesmo da festa? Ah sim, a morte. Vamos celebrá-la. Um brinde aos que conseguiram fazer parte desse evento, aos convidados em carros de luxo, lustrando a vista do astro, que só quer terminar de morrer. Aos que compraram o concorrido ingresso, não importa se geral ou arquibancada, bilheteria ou cambista. O que vale é está dentro do espetáculo. Outro brinde! Dessa vez para a imprensa, cobertura mundial, parabéns, quinze dias noticiando o mesmo fato. Que fatídico. E os produtores? Nossa, que trabalho bem executado, sublime, tudo perfeito, no lugar, as flores deram vida ao caixão, uma verdadeira obra de arte!
Eis que o show acaba, sem direito a bis. Graças a Deus, eu não agüentava mais. E garanto que o artista também não. Agora podemos falar do resto do mundo. Como será que anda o acidente lá do avião, a gripe nova, será que não ouve nada na Faixa de Gaza esses dias? Eu acho que não. Se houvesse, nossa imprensa comprometida com a verdade teria noticiado. Que bom, o mundo ficou em paz por quinze dias. Obrigado Michael.
(Texto escrito no dia do funeral de Michael Jackson)
que lindo, cara, tu és repentista mesmo, posso dizer uma palavra pra próxima rima? hahah
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