segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Sobrando eu compro.


“- Estamos quase lá. Tapamos mais uma brecha de bom senso no nosso esqueleto”.Adoraria ouvir essa chamada no Jornal Nacional. Já pensou o Willian Bonner dizendo isso? Com toda a desenvoltura de um andróide impecável, um ser perfeito, que só chora quando o patrão morre. O ser humano é de fato um ato falho. Um egoísta mercenário que adora banhar-se às margens do seu umbigo, sem bóia, claro, porque o afogamento vai lhe salvar.

“- Bem vindo à hoje, pode entrar, o jantar está servido e você é o prato”. Coitada da essência. Foi trocada pela reticência das cédulas que penetram nas células e peneiram os anticorpos, deixando as gorduras matarem as agruras nas artérias em festa. Viva, viva! É a prova da nossa ofensiva ao espelho, o cômodo mais incômodo e confortável da casa. Arrasa galera!

“- Bolsa de valores: a Consciência tem sua cotação mais baixa, a Bovespa bate recorde e o Risco Canalhice chega a 50.000. Avante Brasil!” A política segue de vento em polpa rasgando a roupa da esperança. Desse jeito vão prendê-la por atentado ao pudor, que horror. Mas isso pode ser bom. Quem sabe ela não posa nua numa revista? Uma ótima oportunidade pra entrar na mídia e o povo saber que ela ainda existe.

“-Velório do morto mais vivo da história. Vendo ingresso, sobrando eu compro.”

- Que sorte a minha, cara. Consegui o assento “A 03” bem do lado do caixão.

- Po velho, mandou bem. Vai dá pra sentir o cheirinho do defunto.

Essa foi a melhor dos últimos dias. Ingresso para velório. Onde é que vamos parar? Eu acho que já paramos. Virou o show do século. Mas que show estranho, o artista ta morto, ou pelo menos tentando morrer, mas a imprensa não deixa. Enquanto houver leitor, haverá notícia. Ou seria o contrário? Pois bem, ao vivo, para o mundo todo. Luzes, astros do universo pop, música, discurso, emoção, parece o Oscar. Uma festa perfeita, todos aproveitam. Mas qual o motivo mesmo da festa? Ah sim, a morte. Vamos celebrá-la. Um brinde aos que conseguiram fazer parte desse evento, aos convidados em carros de luxo, lustrando a vista do astro, que só quer terminar de morrer. Aos que compraram o concorrido ingresso, não importa se geral ou arquibancada, bilheteria ou cambista. O que vale é está dentro do espetáculo. Outro brinde! Dessa vez para a imprensa, cobertura mundial, parabéns, quinze dias noticiando o mesmo fato. Que fatídico. E os produtores? Nossa, que trabalho bem executado, sublime, tudo perfeito, no lugar, as flores deram vida ao caixão, uma verdadeira obra de arte!

Eis que o show acaba, sem direito a bis. Graças a Deus, eu não agüentava mais. E garanto que o artista também não. Agora podemos falar do resto do mundo. Como será que anda o acidente lá do avião, a gripe nova, será que não ouve nada na Faixa de Gaza esses dias? Eu acho que não. Se houvesse, nossa imprensa comprometida com a verdade teria noticiado. Que bom, o mundo ficou em paz por quinze dias. Obrigado Michael.

(Texto escrito no dia do funeral de Michael Jackson)

Um comentário:

  1. que lindo, cara, tu és repentista mesmo, posso dizer uma palavra pra próxima rima? hahah

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